quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

2017: o que esperar dos transportes públicos?

Algumas medidas, como o incentivo à renovação da frota, são positivas. No entanto, mobilidade ainda continua com insegurança em relação à qualidade e investimentos. Passageiro ainda se sente vítima de descaso.

Sempre quando o ano acaba e o outro se inicia, há o nascimento de esperanças em relação à vida pessoal, à família, à comunidade, ao país e à toda humanidade. No setor de mobilidade urbana, que todos os dias está presente na vida de milhões de pessoas em todo o mundo, não é diferente. No caso específico do Brasil, todos os envolvidos no setor, desde empresários, fornecedores, fabricantes e, principalmente, os passageiros, devem estar atentos às discussões, medidas, promessas, e, por que não dizer, às estagnações que a mobilidade pode continuar sofrendo.
Como aspecto positivo está o Refrota 2017. É um programa de financiamento de ônibus urbanos novos, com recursos do FGTS, que deixará à disposição dos operadores R$ 3 bilhões para compra de ônibus zero quilômetro. Qualificar a frota é importante para o bem-estar das pessoas, para a eficiência dos serviços e para o meio ambiente. Ônibus novos poluem menos, embora há poucas iniciativas públicas para incentivar a tração limpa.
Mas só frota não basta. É necessário ter políticas públicas que de fato incentivem os investimentos em mobilidade urbana. Desonerações do setor são importantes para que se faça justiça. Não é simplesmente para reduzir tarifas ou para aumentar a margem de lucro dos empresários de ônibus, e sim para que haja um equilíbrio social tributário. Hoje, o passageiro de ônibus, de forma embutida na tarifa, paga proporcionalmente mais impostos, por exemplo, do que um passageiro de avião ou quem faz uma compra de produtos até de alto valor numa loja de luxo. Isso tem de ser corrigido, e existem poucas ações nesse sentido.
Os financiamentos de gratuidades também têm sido muito superficialmente debatidos. Na proposta que quer ampliar até 2019 o prazo para que as cidades com 20 mil habitantes ou mais elaborem seus planos de mobilidade urbana (esse prazo acabou em abril de 2015), há uma emenda nesse sentido. No entanto, é preciso saber qual será o ritmo dos trabalhos no Congresso Nacional, muitas vezes focado mais em discussões envolvendo quedas de braços pela disputa de poder do que para o bem-estar da população em geral.
Nos aspectos regionais, também há muita coisa a ser feita, e há muitas indefinições. Todos os estados, Distrito Federal e municípios brasileiros encontram-se em situação financeira complicada. Alguns mais e outros menos, porém a situação não é nada fácil. Isso interfere diretamente no nível de investimentos, e também na questão da tarifa.
Em Curitiba, por exemplo, o prefeito Rafael Greca anunciou que deve haver aumento de tarifa, e também, junto com governador do Paraná, Beto Richa, disse que haverá reintegração do sistema metropolitano com o municipal da capital paranaense. Esse processo, no entanto, deve ser feito com muita cautela e observância de todos os agentes envolvidos no setor, para que novamente decisões políticas não sobreponham-se às áreas técnicas e ao interesse da população.
A desintegração foi uma medida política, e os problemas em relação aos custos do sistema já tinham sido alertados pelas empresas operadoras pelo menos dez anos antes. Na época da desintegração, a Urbs – Urbanização de Curitiba S.A., responsável pela gestão do sistema da capital, disse que o peso nos custos era das linhas metropolitanas. No entanto, um estudo da Fipe – Fundação Instituto Pesquisas Econômicas da USP comprovou o contrário. As linhas metropolitanas como um todo traziam receitas ao sistema, mas o que falou mais alto até então? O prefeito Gustavo Fruet e o governador Beto Richa eram rivais políticos, então, após farpas, houve desintegração.
Em São Paulo, a capital paulista tem grandes desafios, além do trânsito e da falta de corredores de ônibus e expansão do metrô. Sobrou para a nova gestão terminar o bilionário processo de licitação dos transportes (R$ 166,1 bilhões em 20 anos de contrato), que deveria ter ocorrido em 2013. É a esperança para uma mudança mais estrutural no sistema. Além disso, o prefeito João Doria prometeu congelamento da tarifa de ônibus, sem, no entanto, deixar claras as fontes e recursos para isso.
Os números são contraditórios. Antes de assumir, Doria disse que o congelamento aumentaria em R$ 550 milhões os custos nos subsídios. A Câmara Municipal apresentou um estudo que mostra a necessidade de R$ 769 milhões. Os técnicos da gestão anterior que elaboraram uma peça orçamentária para 2017 mostraram a necessidade de mais um R$ 1,25 bilhão. O orçamento é de R$ 1,75 bilhão para subsídios, valor que já contaria com o aumento da passagem.
Para não ficar feio diante da promessa de seu afilhado político, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, decidiu fazer uma alquimia nas tarifas do Metrô e da CPTM. Ele estipulou, então, o congelamento das tarifas básicas em R$ 3,80. No entanto, a integração com os ônibus municipais subiu mais de duas vezes do que a inflação acumulada do período, e as tarifas dos bilhetes únicos temporais de 30% a 50%.
É fato que essas modalidades não tinham reajuste há mais de três anos, só que, nesse período, a inflação não foi de 30% a 50%. Portanto, cria-se um precedente perigoso de prática tarifária, pela qual os passageiros pagantes subsidiam outros passageiros pagantes. Já vivemos o erro de o passageiro pagante subsidiar sozinho o passageiro gratuito na maior parte dos sistemas. Agora mais essa, é uma incerteza.
Ainda em São Paulo, há dúvidas sobre a licitação das linhas metropolitanas de responsabilidade da EMTU – Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos, principalmente na vasta região do ABC Paulista, onde o processo se arrasta sem nenhuma definição desde 2006 por contestações dos empresários.
No Rio de Janeiro, a situação também não é das mais certas. O secretário municipal de Transportes, Fernando Mac Dowell, e o prefeito Marcelo Crivella influenciaram na decisão do prefeito Eduardo Paes, que deixou o cargo em 31 de dezembro, para não aumentar as tarifas de ônibus em 01 de janeiro, o que gerou insatisfação por parte das empresas operadoras, as quais dizem que haverá um desequilíbrio no sistema. Crivella também decretou a suspensão do processo de racionalização das linhas de ônibus, reduções de trajetos inclusive que geraram reclamações, e quer incluir o metrô no Bilhete Único Carioca, voltado para os ônibus. Todas as propostas também devem ser analisadas.
A falta de comunicação das empresas de ônibus e do poder público para com usuário também indica que o ano de 2017 ainda não trouxe uma evolução de paradigmas no setor. A maior parte dos passageiros, chamados nas ações de marketing pelas empresas de clientes, foi pega desprevenida, havendo até mesmo desrespeito, já que alguns aumentos ocorreram um dia depois da decretação nos respectivos diários oficiais. Foi o que ocorreu em Guarulhos, na grande São Paulo, a segunda maior cidade do Estado. A pressa para aumentar a tarifa foi tão grande que acabou revertendo a situação contra as próprias empresas de ônibus que se beneficiariam desses aumentos.
A tarifa básica subiria 18,4% em 11 meses, indo de R$ 3,80 para R$ 4,50, e, com Cartão Cidadão, o valor iria para R$ 4,20. O IPCA – Índice de Preços ao Consumidor Amplo, a inflação oficial, registrou índice de 6,98%. Não houve comunicação de qualidade, e no prazo correto para o passageiro (cliente) se programar. O resultado? Uma ação popular aceita pela Justiça suspendeu o aumento da tarifa por cinco dias, depois em uma nova decisão, a Justiça suspendeu o aumento por tempo indeterminado, e o prefeito Gustavo Henric Costa, Guti, anunciou a suspensão do decreto assinado até que ele tenha acesso às planilhas do sistema.
Em Mauá, na grande São Paulo, a história é parecida à de Guarulhos. O aumento foi feito no apagar das luzes da administração de um partido que não conseguiu permanecer no comando da cidade. Houve ação popular, que resultou na postergação do reajuste. Na cidade do ABC Paulista, também é polêmico o decreto do prefeito derrotado nas urnas, Donisete Braga, que determinou a tarifa do vale-transporte em R$ 5, enquanto a tarifa básica será de R$ 4,20. A mesma decisão foi tomada pelo colega também derrotado nas urnas da vizinha Santo André.
Claro que, no fundo, ninguém quer aumento da tarifa de ônibus, mas também ninguém pode ser contra, afinal, as empresas têm sua elevação dos custos e precisam ter uma segurança política jurídica e econômica. O que se pede são aumentos justos e o mínimo de consideração ao cliente/passageiro, que é o que mantém de fato o sistema. Pelo menos, avisar com certa antecedência suficiente para que esse cliente se prepare e não seja passageiro – passe do transporte público para o individual.
Esse equívoco de trato para com o passageiro não ocorreu somente em Guarulhos e em Mauá. É que nessas cidades houve contestações judiciais, e os casos ganharam destaque na imprensa independente. O que se espera para 2017 é o melhor, claro, mas todos precisam fazer suas respectivas partes. Não adianta ficar um responsabilizando o outro pela postura política em torno dos serviços e decisões. A torcida é para que a menos 2017 não seja uma nova versão de 2016.
Fonte: Ônibus Brasil

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